Final da primavera de 2006, um dos principais executivos da divisão de entretenimento da Sony, Shuhei Yoshida está nos ajustes finais da apresentação do seu maior produto, o PlayStation 3 quando recebe uma ligação de alguém da equipe de hardware. Ao telefone, alguém diz algo que ele desconhecia:o novo controle teria sensor de movimento e ele precisava criar um jogo para demonstra-lo.
Isso era três semanas antes do evento, mas Yoshida não teve escolha. Criou Warhawk às pressas e o resultado não foi dos melhores. O jogo era ruim. Parecia ser um preságio dos anos difíceis que a Sony iria enfrentar.
Quando a última geração iniciou em 2005, a Sony tinha 70% do mercado. Um ano depois do lançamento do PlayStation 3, tinha uma fração disso, e o prejuízo chegava a 3,5 bilhões de dólares. Foram necessários 5 anos para chegar ao lucro. Desta vez, a empresa prevê um cenário diferente. Isso só foi possível, em grande parte, por mudanças-chave em cargos estratégicos que romperam com tradições e deram maior flexibilidade à empresa. O protagonista desta história chama-se Mark Cerny.
Você pode não entender nada de games, mas se entende um pouco de desenvolvimento de produtos ou de gestão, perceberá o impacto dessas mudanças em uma empresa.
Pensando fora da caixa
Diante dos resultados terríveis que a Sony enfrentou sobretudo na primeira metade de vida do PlayStation 3, Shuhei decidiu contratar alguém diferente para projetar o novo PS4. Mas ninguém esperava que diferente seria alguém que não é especialista em hardware, mas em software. Shuhei chamou o ex-garoto prodígio da Atari, Mark Cerny, um criador de games consagrado que entendia tudo sobre criação de jogos e a indústria dos games, mas não tanto sobre engenharia eletrônica. E se a ideia não era louca o bastante, ele ainda era americano.
Mark Cerny tinha a responsabilidade gigante de substituir Ken Kutaragi como chefe de arquitetura do Playstation 4. Ken é o pai do PlayStation, PlayStation 2 e PlayStation 3. Ele era o cara da tecnologia, Mark o cara do entretenimento. Podemos compará-los aos Steves da Apple — um queria construir uma poderosa máquina enquanto o outro estava preocupado em oferecer uma experiência inigualável.
Depois de trabalhar no clássico do Atari Marble Madness com apenas 18 anos, Mark foi para o Japão trabalhar na Sega. Em apenas três anos, ele aprendeu o idioma e criou networking suficiente para conseguir uma reunião com a Sony alguns depois quando estava de volta aos Estados Unidos. Naquele momento, a empresa distribuia kits de desenvolvimento do seu então desconhecido PlayStation, mas apenas dentro do Japão. Como Mark era fluente em japonês, conseguiu o contrato para sua empresa e se tornou o 1º desenvolvedor de fora do Japão. O contato de Mark era Shuhei Yoshida.
Mark: “É surreal saber que eu conheço o presidente da Sony [Kazuo Hirai] de quando enchíamos a cara depois das feiras em 1998”.
O americano em Tokyo construiu uma sólida carreira na corporação, trabalhando em clássicos de aventura como Crash Bandicoot e Spyro the Dragon — que juntos venderam mais de 30 milhões de unidades — e ocupando cargos de respeitos dentro da empresa. Em 2010, ele se tornou membro da Academy of Interactive Arts & Sciences Hall of Fame, onde foi comparado a um “Da Vinci moderno” pelo presidente da instituição.
Ele desenvolveu um método que mudou a forma de se conceber jogos. Parece tão simples que é difícil imaginar como ninguém nunca havia implementado isso antes. O método consiste em criar uma parte do jogo e testá-las com pessoas comuns e então pegar os feedbacks para analisar a viabilidade do jogo e melhorá-lo. Cerny fazia mais do que receber opiniões, ele analisava o comportamento e expressões faciais dos jogadores através de janelas e câmeras. Se o jogo não fosse bom o suficiente, pararia por ali. Mas na maioria dos casos, os insights eram poderosos suficientes para criar sucessos de vendas.
Ao contrário de Ken Watanabe, Mark Cerny ouvia. O americano não se trancou numa sala com engenheiros e técnicos, ele foi procurar a opinião de 30 equipes desenvolvedoras de games sobre como eles imaginavam a próxima geração. Todos concordavam que o novo PlayStation deveria abrir mão do processador Cell, uma maravilha da engenharia que na época foi o ponto alto do discurso da Sony, mas se mostrou um grande problema para os desenvolvedores. O processador do PlayStation 4 é mais parecido com os dos nossos computadores pessoais (x86), porém, trabalhando em conjunto com o chip gráfico os resultados impressionam. Estima-se que a arquitetura mais simples diminuiu o tempo de produção do game “Knack” em 1 ano.
O fim de uma era
O novo console da Sony chega em uma época onde pessoas gastam o preço de um tablet em um joguinho grátis de frutas para celular. A mesma época onde um jogo de pássaros contra porcos geram 2 bilhões de downloads e estampam praticamente qualquer tipo de produto, de chiclete à piscina de plástico. Hoje, os games são quase onipresentes, é possível jogá-los em uma Smart TV, no tablet, no celular, na web ou no próprio navegador. A indústria mudou mais uma vez. Os novos videogames trazem a opção multi-tarefa onde se pode pausar para assistir um video no YouTube; controles com botão compartilhar; canais de TV; apps sociais e de filmes. Será possível ir à casa de um amigo e usar sua própria conta que não está mais dentro do seu videogame, mas na nuvem. Uau!
A nova era dos games é a era do software, da colaboração e do desenvolvimento ágil. Nada mais coerente do que chamar um especialista em software para projetar o novo hardware, não? Bem, é…não. Foi uma decisão arriscada, mas a Sony aprendeu com a lição de que o pior risco é não fazer nada.
A ironia é que foi preciso trazer um americano para tornar a Sony uma empresa mais japonesa. Yoshida diz que a cultura organizacional americana é top down enquanto a japonesa é mais voltada ao coletivo, onde todos podem contribuir com boas ideias. Acontece que a Sony de Ken não era assim, Mark Cerny devolveu isso para a Sony e parece ter criado o mais bem acabado produto da história da companhia. O PlayStation 4 chega às lojas americanas neste 15 de novembro (pela 1ª vez antes do Japão) custando $200 menos que seu antecessor e com 10 jogos a mais do que 7 anos atrás. Kanpai! (乾杯!)
Plus: a breve história do design
O design do novo PlayStation 4 foi criado por Tetsu Sumii e sua equipe que acredita que não é saudável pedir opinião de todos em um projeto de design ou o trabalho nunca terminará. Se você é designer ou publicitário, sabe bem como é.
Os primeiros protótipos de Sumii foram rapidamente rejeitados por serem “muito comuns”, então ele chutou o balde e criou outros 6. Dois deles foram escolhidos e ficaram no escritório durante vários dias até a decisão final. Não um quadrado, não um retângulo, mas um rhombus (sim, essa forma geométrica existe). Mark Cerny — que projetou toda a arquitetura interna do console, ajudou a criar o controle e dirigiu um dos games lançados — não viu o design final do produto até o seu anúncio oficial em junho. Curioso, não?
Inspirado no artigo: “The American Who Designed PlayStation 4 and Remade Sony”