Assunto relativamente comum em conversas entre amigos, falar sobre os chefes é um dos assuntos recorrentes de mesas de bar à esteiras de academia. Mais frequente do que não, a conversa se transforma em um grande desabafo e o clima fica tão pesado que é melhor falar de futebol, política ou o final da novela das 9. Reclamar do chefe é algo comum e os motivos são os mais variados possíveis, mas incompetência e falta de sensibilidade são a base de quase todo o mal presente nesses vilões corporativos. Para este artigo, vamos presumir que todos os chefes são competentes, muito inteligentes e capazes; de fato, na maioria das boas empresas, eles são. Mas isso não os torna grandes chefes. O que falta nesses profissionais não é inteligência ou competência, é algo muito mais raro e difícil de se obter, sabedoria.
Uma das frases mais populares que escuto sobre chefes é: “meu chefe é muito inteligente, mas ele é um otário” — ou variações dessa mesma frase. Ser competente e rude parece algo necessário para manter o equilíbrio, como yin-yang; como se má-educação fosse o contra peso de uma boa formação, ou se a falta de jeito com humanos fosse o ônus de ter muita experiência no ramo. Há quem acredite que você não pode ser inteligente e popular; ser bem-sucedido no trabalho e no amor; ter uma agenda lotada e manter a forma e etc. Em toda a minha vida, eu nunca li nada que justificasse tal crença. É perfeitamente possível ser um chefe carismático e competente; justo e decidido; sensível e inteligente. Então, nada justifica seu chefe ser ótimo no que faz e tratar você como um cachorro.
Bob Sutton, o especialista em liderança que eu mais gosto pela franqueza com que se refere aos maus chefes (chamando-os de babaca, etc.), separa chefes inteligentes de chefes sábios. Um ótimo chefe é aquele que não apenas inova, sabe identificar problemas, encontrar soluções, tem visão e conquista bons resultados. Um ótimo chefe, o que alguns preferem chamar de líder, é aquele que faz tudo isso escutando seus funcionários, olhando nos olhos, sendo honesto, motivando e admitindo quando a sua opinião não é a melhor da sala. Ser decidido e confiante são qualidades importantes em cargos de liderança, é comprovado que agir com confiança estimula os outros a agirem mais. Mas se tem uma palavra que faz toda diferença na gestão, ela é “humildade”. O técnico John Wooden que nunca foi empregado de uma corporação e, provavelmente, nunca teve um chefe entendia melhor do que muitos executivos. Ele falava:
“Escute aqueles que estão abaixo de você. Não aja como se estivesse fingindo escutar. Fingir é pior do que não fazer nada”
Albert Einstein dizia que ele não era mais inteligente,apenas passava mais tempo debruçado nos problemas. Isso é humildade. Comparar-se às pessoas comuns quando você é um Nobel da física e um dos maiores nomes do seu tempo, é o nível máximo da humildade. Ser humilde é digno de admiração em qualquer situação, mas ser humilde quando se está entre os melhores, é difícil e ainda mais admirável. Já ouvi um pós-graduado dizer que certo empresário não precisava ser simpático, pois ele tinha dinheiro (e poder). Essa não só é uma das coisas mais tristes de se ouvir, como também uma das mais estúpidas. No entanto, é um mal do qual as empresas estão cheias. Como diz o professor Bob, “chefes ruins às vezes vêm em corpos que não escutam.”
Chefes ruins vêm em várias formas, mas os que não escutam são um dos mais perigosos porque eles não perdem, eles deixam de ganhar mais. Logo, é difícil punir um chefe que sempre bate as metas ou é reconhecido pela sua inteligência e experiência. Gestores assim dificilmente consideram opiniões alheias e são exageradamente afeitos às suas próprias ideias, é praticamente impossível penetrá-los com opiniões contrárias, mesmo que bem fundamentadas e apoiadas em fatos. Você provavelmente já teve um chefe assim ou conhece alguém que teve.
Há 20 anos, foi publicado um artigo chamado “O Fim do Bom-Senso nas Organizações” pela Cornell University. Nele, seus autores estudam o caso de um grande incêndio que aconteceu em 1949 nos Estados Unidos e como os bombeiros estavam despreparados para aquela situação. De uma perspectiva mais popular, ele nos leva a concluir que a atitude é quase tão importante quanto o conhecimento para chegar a bons resultados. Podemos traduzir isso como inteligência vs sabedoria. “Ser sábio não é ter conhecimento de certos fatos, mas ter conhecimento sem agir com excesso de confiança ou de cautela”. Se inteligência é saber o que e quando fazer, a sabedoria é o como.
Chefes sábios se dedicam a saber o que eles não sabem. Eles agem com determinação, mas estão sempre em busca de sinais de que eles estão errados — há um equilíbrio saudável entre coragem e humildade. “Há muitos momentos em que chefes devem parecer inteligentes — ao fazer certas declarações, dar boas respostas, falar com habilidade e defender decisões. Os melhores chefes estão no pico da autoconfiança, mas uma dose saudável de dúvida e humildade evitam que eles se tornem arrogantes e babacas. Aqueles que não buscam esse equilíbrio, tornam-se incompetentes e perigosos de seguir”, diz Bob Sutton em seu livro “Bom Chefe, Mau Chefe”.
Foi-se o tempo que austeridade era sinônimo de competência. Se você quisesse chegar à diretoria um dia, precisava ser sério, decidido e até grosseiro. Se distribuisse muitos sorrisos, é porque não era tão trabalhador assim. Felizmente, muita coisa mudou desde aquela época. A única coisa que não mudou com o passar dos anos e até se agravou, é que é preciso ser bom, muito bom. Há quem diga que faltam bons profissionais no mercado, mas sinceramente o que está em falta no mercado é humildade. Andy Grove, ex-CEO da Intel e Homem do Ano da Time em 1997, é um dos melhores exemplos de profissional extremamente qualificado e humilde. Ele disse certa vez: “Aja com sua convicção temporária como se fosse uma convicção real; e quando você perceber que está errado, corrija imediatamente”.
“Convicção temporária”? Eis uma expressão que nunca tinha ouvido. Ela é tão mágica que acho que podia escrever outro artigo a partir dela. Somos todos donos da razão de vez em quando e até quando não sabemos, achamos saber. O arqui-inimigo da inteligência parece ser a humildade, não a ignorância. Quanto mais mergulhamos no conhecimento e desfrutamos das nossas conquistas e realizações, nos afastamos da superfície e de seu ar puro e novo. Até que ficamos completamente inacessível pelos outros, e nos afogamos. Não acho muito correto dizer que a sabedoria vem com a idade; na verdade, o tempo deixa algumas pessoas completamente cegas, e essa é a tendência natural — quanto mais você conquista, aprende e cresce, mais tende a não valorizar os outros.
A solução, que é mais um preventivo do que remédio, é o ponto em comum entre um professor de Harvard, um prêmio Nobel de física, um ex-executivo e um treinador de basquete. Eles nos mostram que os verdadeiros inteligentes são aqueles que reconhecem que por melhores que sejam, não sabem de tudo e se esforçam para dosar autoconfiança com humildade.